Um rápido olhar para essa bem aventurança e poderíamos
pensar que houve um equívoco em sua escrita. Não seria justamente a ausência do
choro e da tristeza que nos faria sermos seres humanos abençoados e felizes?
Eis um bom motivo para não lermos a Bíblia submetendo os ensinamentos do reino
de Deus à realidade do reino desse mundo que aguarda redenção. Aos discípulos
de Jesus cabe agir tal qual o seu mestre agiu, nem aquém, nem além (Mt 10.25a).
No sermão do Monte, Cristo apresenta que a atitude correta do discípulo não se
pautava na imitação da libertinagem pagã e muito menos no legalismo dos
religiosos. Havia um outro caminho e plenamente abençoados seriam os que por
ele seguissem.
Em ligação com a bem aventurança anterior (“pobres de
espírito”, Mt 5.3), Jesus apresenta o choro como característica do discípulo.
Quem se depara com seu pecado e sua incapacidade de ser pelas próprias forças
aquilo que foi criado para ser, reconhece sua necessidade para com Deus. O
choro a que Jesus se refere está ligado a um lamento espiritual pela condição
do pecado que afeta não apenas o modo de pensar do ser humano, mas também o seu
modo de agir. Por causa do pecado, não apenas a distorção do que é certo
invadiu a nossa realidade, mas também a própria morte como o salário para
tamanho mal (Rm 6.23).
Entretanto, se a vida já é tão dura por tamanhos desafios
que dela fazem parte, não seria melhor que Jesus nos incentivasse a sorrir, em
vez de chorar? O curioso é que esse argumento se encaixa bem em nossa forma de
agir na sociedade. Há um incentivo para que o prazer e a felicidade sejam
alcançados a qualquer custo, justificando qualquer meio para se encontrar o
final desejado. O problema é que o culto à felicidade a qualquer custo é o que
contribui para que não vejamos a realidade como de fato ela é. A tentativa em
se manter uma aparência positiva e feliz para todas as coisas, muitas vezes nos
leva a uma omissão e procrastinação para enfrentar os desafios. Preferimos não
nos envolver para não sofrer a ver o problema de frente e inevitavelmente nos
entristecer por ele. O grande paradoxo é que somente através dessa última
atitude é que de fato haverá progresso e o surgimento de um solo fértil onde a
esperança para dias melhores renascerá.
Como o pastor Martyn Lloyd Jones recorda, “o negativo precede
o positivo”[1].
Antes da alegria em sermos justificados mediante a fé em Cristo, coube a ele a
dolorosa morte de cruz. Antes da alegria que acompanha a genuína conversão, nos
deparamos com a fincada da convicção dos nossos pecados. Antes da alegria da mãe
em receber o filho nos braços, vem a tensão do momento do parto.
É importante lembrar que a característica do choro não é
algo que contribua para que o cristão viva num estado de melancolia, cinismo e
muito menos indiferença quanto ao próximo e à sociedade. Na verdade, o lamento
espiritual pela presença do pecado em nosso meio é o que nos leva a sermos mais
compassivos com os que estão ao nosso redor; amorosos com aqueles que ainda se
mantêm cegos pelo deus deste mundo (1 Co 4.4); dispostos a perdoar os que nos
ofendem, até porque diariamente Deus nos perdoa por conta dos pecados que
cometemos contra ele (Mt 6.12).
Como um autêntico ensinamento cristão, essa bem aventurança
não se restringe ao tempo presente, porém, nos aponta para a esperança
vindoura, a glória futura que há de ser revelada, a qual pesa mais do que
qualquer sofrimento atual. A alegria não será plena aqui, mas a fé cristã nos
ensina que o futuro invadiu o presente e já podemos nos alegrar pela promessa
deixada pelo nosso salvador: “porque eles serão consolados.” Enquanto cristãos,
será prudente de nossa parte não nos esquecermos de que a esperança faz parte
do nosso caminhar. Enquanto ela não nos invade plenamente, sinalizemos seu
poder através da pregação do Evangelho, através da comunhão uns com os outros,
consolando e sendo consolados até que um dia, face a face, os nossos olhos
contemplem o verdadeiro Consolador.
Luiz Felipe G.Silva
[1]
[1]
Lloyd-Jones, D.M. Estudos no Sermão do Monte. São José dos Campos, Sp: Editora
Fiel, 1984. l. 1069. Arquivo Kindle

Meu irmão, sou grato a Deus por nos presentear com Sua Palavra. Ainda mais grato por juntos seguirmos no Caminho, no ministério e na vida. Tamo junto!
ResponderExcluir